Genos
Muitas coisas terríveis podem ser feitas contra um ser humano. Genos, a palavra grega, significa “raça”. Neste caso, foi e sempre será complicado falar sobre raça quando se fala em seres humanos. O mesmo é falar sobre povo. O que constitui um povo é sempre um tema que entretém diversas áreas do saber. Entretanto, há uma coisa que todos os membros de todos os genos - o genos humano - conhecem: pertencimento.
Pertencer é condição inviolável do espírito. Fazer parte de algo maior, de uma identidade que assume corpo quer na cultura quer na religião, é um elemento constituinte de qualquer identidade. Portanto, a negação ao pertencimento é uma negação da identidade. Não se identifica nada sem o negativo da mesma. Uma afirmação contém milhões de negações em sua trama interna. Ela afirma o que não é antes de afirmar o que é.
Pertencer a uma identidade, etnia, nacionalidade (…) que tem seu direito de existir negado é pertencer a um vazio. Não um vazio criativo, mas um vácuo sufocante. Agonizar no horror de uma lacuna. Eu sou, eu vivo e respiro: tenho credo, sou cultura, sou determinado. Meus negativos me fazem ser quem eu sou. Se sou de certa nacionalidade, não sou apátrida. Tenho pátria. Tenho chão. Meus ancestrais estão enterrados no solo qual erijo minha casa. Mesmo que tenha imigrado para esta terra anciã, faço dela meu sepulcro e ninguém pode negar meu sono em seu duro assoalho de terra e sangue.
A aniquilação de um povo não é apenas a aniquilação física. Tirar-lhes o direito de ser um povo é a aniquilação completa. O espírito perde a forma e seus limites são rasurados. O que é raro em cada um e forma o singular do todo se torna pedra oblíqua, polida de forma apressada e jogada para se confundir aos seixos. Sua singularidade é aniquilada antes da vida dos seus. Um povo negado é um povo que afirma o mal que o genos humano pode fazer. Não há mal mais virulento do que negar o pertencimento a um animal que precisa pertencer antes mesmo de beber ou comer.
Não existem atos de heroísmo sem o desejo de afirmar o pertencimento. Os mártires nas noites escuras da alma não morrem por si, mas pelo bradar de alguma bandeira; bandeira que, pano e haste, significa existência. E nenhum domo de ferro pode parar o espírito em riste, lançando-se sobre o genocida. É um míssil potente este da vergonha: não de ser um negativo, mas a vergonha de ser a afirmação da maldade.
All we had was gone
Broke down along the coast
But what hurt the most
When the people there said
"You better keep movin' on”
Acadian Driftwood - The Band

